
“Eu não entendo nada das aulas de ciências!”, “Literatura é um negócio muito difícil de ler!”, “Ciência e literatura não são pra mim, professor(a)!”. Estas são frases muito comuns que ainda ouvimos da boca de alguns adolescentes da Educação Básica.
Convenhamos: ouvir isso dói!
Os óculos da ciência e a pena da literatura ainda são ilustres desconhecidos de nossos queridos estudantes. Compete à escola dar ao jovem aprendiz as condições para desenvolver a racionalidade e a sensibilidade humanas, tão necessárias à interpretação das ideias e vicissitudes do mundo em que vivemos. Essas condições são mais que habilidades instrumentais e competências instrucionais adquiridas na/para a sala de aula.
Na obra Interfaces entre ciência e literatura em livros juvenis e suas contribuições ao ensino de ciências, texto escrito por Glaziane Soares Alvarenga, a autora atesta que a utilização da literatura nas aulas de ciências é um recurso pedagógico riquíssimo para estimular o processo ensino-aprendizagem de docentes e discentes. Por meio dessa abordagem professores poderão empregar essa estratégia didática nas aulas de Ciências a fim de desenvolver o pensamento crítico e criativo dos estudantes, além de estimulá-los para o universo das leituras.
Fruto de uma dissertação de mestrado pela UFMA (2022), a obra de Glaziane Soares apresenta um estudo baseado na análise de três livros da coleção “Mortos de Fama”, coletânea infanto-juvenil que retrata a vida e o trabalho de renomados cientistas da humanidade, entre eles Isaac Newton, Marie Curie, Albert Einstein e muitos outros. Logo, Glaziane Soares, pesquisadora e educadora, propõe em seu trabalho acadêmico levar os conhecimentos científicos ao alcance dos estudantes por meio da literatura em sala de aula.
O bom educador sabe disso.
Glaziane Soares e sua obra têm em comum o amor à ciência, a paixão pela literatura, o compromisso como o ensino-aprendizagem e a responsabilidade com o estudante em formação. A autora é categórica ao afirmar ainda na Introdução que “é crucial a utilização da literatura no âmbito da construção do entendimento das ciências, a fim de aprofundar os conhecimentos, enriquecer os trabalhos em sala de aula e incrementar as práticas leitoras desses estudantes”.
Para a alegria dos estudantes a ciência na literatura e a literatura na ciência são empregadas de forma lógica e lúdica em sala de aulas, como pedem a razão científica e a estética literária. Astuciosamente a autora nos põe diante de quatro multiversos em constante expansão intelectual: a ciência, a literatura, o ensino e os estudantes.
Nas salas de aula – ou especificamente dizendo – nas aulas de Ciências, as obras da coleção “Mortos de Fama” podem ser trabalhadas segundo três perspectivas apontadas na análise de Glaziane Soares: pela abordagem dos diversos gêneros textuais científicos e literários presentes nas obras sobre a ciência e os cientistas; na perspectiva histórico-cultural da ciência e o contexto da produção científica de uma época; e segundo os perfis dos cientistas na visão da sociedade, os traços de personalidade que os livros e a história ajudaram a construir sobre esses personagens da vida real.
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O que de fato Glaziane Soares defende em sua obra é que ciência e cientista sejam retratados sem os estereótipos clássicos retroalimentados pelo senso comum nosso de cada dia: a ideia da ciência como um saber infalível e compreendido por poucas eleitos do saber, a visão de cientista como gênio de berço ou cientista maluco segundo o meio social onde ele viveu. Nada disso! Glaziane Soares sabe que ciência e cientista são uma construção político-social e histórica; ciência e cientista são seres passíveis de acertos e erros, imperfeitos, capazes de revisar suas descobertas e melhorar seus estudos, buscando sempre descobrir a lógica das coisas que eles tanto querem nos fazer entender.
Assim a autora trabalha em seu texto a compreensão da ciência e a formação de leitores como proposta pedagógica que reúne literatura e ciências no chão da sala de aula. Para isso Glaziane Soares discorre sobre a metodologia do ensino de ciências, as condições de aprendizagem literárias e científicas indispensáveis à formação de estudantes críticos, pensadores reflexivos da realidade mediata e imediata que nos cerca.
Com uma sólida e inefável fundamentação teórica, Glaziane Soares põe na face os óculos da ciência, à mão a pena da literatura e: pondera sobre a aliança ciêncialiteratura em Zanetic (1991), Ferreira (2012) e Feitosa (2020); discute o ensino de ciências com Arroyo (1988), Cachapuz (2011) e Costa e Batista (2017); reitera o papel sociocultural do professor com Duarte (2004) e Lima e Maués (2006); revisa o conceito de literatura em Tavares e Alarcão (1992); analisa os gêneros textuais baseados em Fiorin (2008), Bakhtin (2018) e Souza e Elmenoufi (2016); repensa a visão da ciência e do cientista sob o prisma de Auler e Delizoicov (2001) e Kosminsky e Giordan (2002); e dialoga com Bardin (2016) sobre a análise de conteúdo na interpretação dos livros infanto-juvenis.
Há muito mais pesquisadores que fundamentam o texto de Glaziane Soares – este pretencioso parágrafo anteriormente escrito por mim é apenas um resumo grosseiro de um capítulo da obra da autora, mostrando que suas referências são muito mais densas e ricas de criticidade do que imagina minha vã caligrafia.
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Dotada de uma autonomia intelectual e um pensamento crítico, Glaziane Soares não escreveu um discurso apenas fundamentado na teoria; tão-somente não elaborou uma dissertação de mestrado. A autora sabe o que está falando à medida que está fazendo, sabe porque pratica a teoria em sua escrita, teoriza em sua atividade de trabalho. Seu texto, sua obra é um discurso-ação. Uma ação reflexiva. Práxis, responderia o filósofo, cientista e crítico literário Aristóteles.
Reitero que o livro de Glaziane Soares segue para além de si mesmo e procura formar ainda na sala de aula leitores da realidade material em tempos de bolhas virtuais. Perdão! Em tempos de redes sociais que seduzem mentes e corações em direção às sombras da caverna digital, caverna hoje conhecida como celular inteligente – vulgo smartphone – “pertencente” a um usuário assombrado e nomofóbico. A abordagem adotada por Glaziane Soares em sua obra visa aproximar os estudantes da leitura/literatura como um meio de compreender as aulas de ciências.
A meu ver, um dos objetivos do livro da autora é combater a atual crise de leitura existente entre os estudantes da Educação Básica, oferecendo a seus professores uma proposta de trabalho pedagógico que estimula habilidades e competências para a vida pessoal e produtiva dos estudantes.
Mas convenhamos: o que poderá surgir da simbiose ciência-literatura enquanto proposta pedagógica analisada na obra de Glaziane Soares? Certamente surgirá um estudante-leitor, um leitor de livros, de mundos, de textos científicos, literários e quaisquer outras produções que surgirem à sua frente.
Estamos todos avisados!
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